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Além da escultura invisível: outros casos de arte conceitual que causaram polêmica

Foto: Krivenko (Depositphotos.com)

Nos últimos dias, ressurgiu nas redes sociais o caso do artista italiano Salvatore Garau, que voltou a viralizar por causa da venda de uma escultura invisível por R$ 87 mil. Intitulada “Eu Sou” (Io Sono), a obra é imaterial, ou seja, não existe no plano físico. Ela foi leiloada em 2021 por 15 mil euros, mas retornou aos holofotes após uma publicação viral do perfil britânico Pubity, que tem mais de 40 milhões de seguidores.

A escultura, segundo Garau, estava “exposta” em um espaço vazio de 1,5m x 1,5m. O comprador recebeu apenas um certificado de autenticidade, que descreve a obra como uma escultura imaterial feita para ser colocada em um espaço livre de qualquer obstáculo, com dimensões variáveis de aproximadamente 200 x 200 cm. O documento também traz o número de registro IM5 e a procedência: coleção particular em Milão.

O artista defende sua criação argumentando que não vendeu “um nada”, mas um vácuo. Para ele, o vácuo é um espaço cheio de energia, e a escultura existe porque é feita de “ar e espírito”. Em suas palavras: “O vácuo nada mais é do que um espaço cheio de energia, mesmo que o esvaziemos, e ali não resta nada, de acordo com o princípio da incerteza de Heisenberg, que nada tem peso. Portanto, tem energia que se condensa e se transforma em partículas, ou seja, em nós”.

Alguns consideram a venda uma provocação curiosa sobre o valor da arte e o poder das ideias, já a maioria parece enxergar apenas uma farsa com aparência de discurso filosófico. Mas a verdade é que Garau não está sozinho. Ao longo das últimas décadas, vários artistas criaram obras conceituais que dispensam o objeto físico e desafiam os limites entre arte, conceito e mercado.

A seguir, conheça três casos que, assim como o de Garau, ficaram famosos por transformar o “nada” ou muito pouco em arte e em lucro.

Jens Haaning e o quadro em branco que virou performance

O artista dinamarquês Jens Haaning ganhou notoriedade em 2021 ao protagonizar um dos episódios mais comentados do mundo da arte contemporânea. O museu Kunsten, em Aalborg, encomendou a ele a recriação de duas obras antigas, nas quais Haaning exibia notas de dinheiro emolduradas para representar a renda média de trabalhadores da Áustria e da Dinamarca.

Para isso, o museu enviou cerca de 534 mil coroas dinamarquesas, o equivalente a 84 mil dólares, que deveriam ser usadas na instalação. Quando a equipe abriu as caixas com as obras, encontrou apenas duas telas em branco. Nenhuma nota, nenhum dado, nenhuma explicação.

Foto: Kantver/Depositphotos.com (Imagem meramente ilustrativa)

Logo em seguida, Haaning anunciou o título do novo trabalho: Take the Money and Run ou “Pegue o dinheiro e corra”. Segundo ele, aquela era a verdadeira obra. O gesto de ficar com o dinheiro e entregar os quadros em branco seria uma crítica à precarização dos artistas e à exploração do trabalho criativo pelas instituições.

A provocação dividiu o público. Parte considerou o gesto brilhante, uma performance sobre valor, autoria e poder nas relações artísticas. Outra parte o acusou de enganar o museu. O caso foi parar na Justiça, e em 2023 o tribunal determinou que Haaning devolvesse o valor integral, mas ele se recusou , alegando que o museu ganhou muito mais do que investiu, graças à publicidade em torno do caso.

Veja também: O que é Upcycling e como ele é usado na arte e no design

Maurizio Cattelan e a banana que virou arte

Em 2019, durante a feira Art Basel Miami Beach, o artista italiano Maurizio Cattelan chocou o público ao apresentar uma obra que consistia em uma banana colada na parede com fita adesiva. O título era simples: Comedian.

A fruta, comprada em um mercado comum, foi vendida em três edições, cada uma acompanhada de um certificado de autenticidade e instruções sobre como substituí-la quando apodrecesse.

Tudo sobre a obra “Comedian” também chamada de “banana colada na parede”
Comedian” (2019) – Maurizio Cattelan – Foto: Sotheby’s (Reprodução)

A reação foi imediata. Muitos visitantes tiraram fotos, riram e se perguntaram se aquilo poderia realmente ser considerado arte. Outros defenderam Cattelan, argumentando que o gesto era uma crítica ao mercado de arte e à sua disposição em transformar qualquer coisa em mercadoria, desde que venha acompanhada de um bom discurso e da assinatura de um artista reconhecido.

O episódio ficou ainda mais simbólico quando um outro artista, David Datuna, retirou a banana da parede e a comeu diante do público, dizendo tratar-se de uma performance intitulada Hungry Artist. A obra foi rapidamente substituída por outra banana, seguindo as instruções do certificado.

A peça gerou discussões em todo o mundo, transformando-se em um ícone da ironia na arte contemporânea. A primeira edição foi vendida pelo valor de 120 mil dólares, já a terceira edição foi vendida em 2024 para um empreendedor chinês, que pagou o valor de 6 milhões de dólares.

Yves Klein e as zonas imateriais

Muito antes da escultura invisível de Garau ou da banana de Cattelan, o artista francês Yves Klein já explorava a ideia de arte imaterial. Em 1959, ele criou o projeto Zone de sensibilité picturale immatérielle, que consistia na venda de “zonas de sensibilidade pictórica”, espaços vazios, sem pintura, sem tela, sem forma.

O comprador recebia um recibo de compra, e o valor era pago em ouro puro. O artista oferecia, ainda, uma cerimônia simbólica: se o colecionador queimasse o recibo diante dele, Klein jogava metade do ouro no rio Sena, em Paris. O ato simbolizava a fusão entre o artista e o comprador em uma experiência espiritual e efêmera.

Com essa obra, Klein questionava a materialidade da arte e a própria relação entre artista, obra e público. Para ele, o espaço vazio não era o nada, mas um campo de energia sensível, capaz de ser percebido por quem se abrisse à experiência estética.

Em 2022, um dos recibos originais de suas zonas imateriais foi leiloado por mais de 1 milhão de euros, mostrando que até o invisível pode adquirir um valor concreto no mercado.

A arte que não se pode tocar

Os casos de Garau, Haaning, Cattelan e Klein mostram como a arte conceitual pode desafiar nossas noções mais básicas sobre o que é uma obra. Em todos esses exemplos, o objeto físico desaparece, e o que resta é o discurso, o contexto e a intenção.

Essas criações expõem as contradições do mercado de arte, que atribui valores milionários a obras invisíveis ou muito básicas, enquanto artistas e instituições discutem autenticidade, autoria e significado. Elas também colocam o público em uma posição desconfortável, obrigando cada espectador a decidir se está diante de um gesto provocador ou de uma farsa sofisticada.

A escultura invisível de Salvatore Garau é apenas o exemplo mais recente de uma tradição que continua provocando e confundindo e rendendo uma boa grana.

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