A inteligência artificial generativa emergiu com força nos últimos anos, desafiando conceitos estabelecidos sobre direitos autorais, o valor do trabalho humano e levantando uma série de questões éticas e legais. No entanto, um evento recente e inédito promete redefinir parte desse cenário, abrindo novos caminhos para a relação entre criatividade humana e tecnologia.
Trata-se do caso da imagem “A Single Piece of American Cheese”, criada por Kent Keirsey, CEO da plataforma Invoke, que tornou-se a primeira obra de arte inteiramente gerada por inteligência artificial a receber proteção de direitos autorais nos Estados Unidos.
A obra de arte gerada por IA retrata uma figura feminina com três olhos, cabelos que lembram espaguete e uma fatia de queijo amarelo derretido escorrendo pela cabeça. Seu rosto é formado por um mosaico composto por fragmentos de vidro em cores primárias, semelhantes a um vitral de igreja.
O processo por trás da obra de IA protegida
A decisão foi tomada pelo U.S. Copyright Office, órgão do governo dos Estados Unidos que administra direitos autorais, após a demonstração de uma intervenção criativa humana significativa no processo de composição da obra.
A proteção legal foi concedida não aos elementos individuais gerados pela IA, mas à seleção, coordenação e arranjo desses componentes, resultando em uma “imagem única e unificada”. Keirsey realizou cerca de 35 edições na obra, utilizou a técnica de inpainting para refinar áreas específicas e documentou todas as fases do processo criativo, além de apresentar um vídeo completo do processo.
As técnicas de inpainting são métodos utilizados para reconstruir ou preencher áreas faltantes ou danificadas em imagens, analisando as regiões ao redor e preenchendo-as de forma que o resultado pareça natural e coerente. Tradicionalmente feitas manualmente, hoje essas técnicas são amplamente automatizadas por ferramentas de inteligência artificial, que utilizam algoritmos de deep learning para “imaginar” e criar conteúdos que se encaixem no contexto da imagem.
Inicialmente, o pedido de proteção foi rejeitado pelo Copyright Office, mas a decisão foi revertida após uma análise detalhada de como os elementos gerados por IA foram organizados para criar uma composição original.
“Reconhecendo a necessidade de criativos profissionais garantirem proteção de direitos autorais para suas obras, nos propusemos a testar os limites de protegibilidade para obras criadas com a assistência de IA.”, comentou Keirsey.
O que muda a partir disso?
A decisão estabelece um precedente importante sobre como obras criadas com o auxílio de inteligência artificial podem receber proteção legal, desde que haja uma contribuição humana significativa no processo.
Isso abre caminho para artistas que desejam proteger trabalhos utilizando IA, desde que documentem claramente suas escolhas criativas e demonstrem como a curadoria humana transforma elementos gerados por máquina em algo original.
Em um artigo publicado no site da empresa, Kent Keirsey destacou a importância da participação humana no processo criativo: “É importante que as pessoas percebam que os humanos não vão desaparecer. Assim como com toda tecnologia, estamos encontrando uma nova maneira de nos relacionar com ela”.
A decisão do U.S. Copyright Office sugere que, no futuro, a proteção de direitos autorais para obras de arte gerada por IA dependerá cada vez mais da capacidade de comprovar a autoria humana e a originalidade na composição final.
Fonte: B9 e Invoke
