Poucas obras de arte despertam tanta curiosidade quanto Abaporu, de Tarsila do Amaral. Criada em 1928, a pintura simboliza o início do Movimento Antropofágico, que transformou a arte moderna no Brasil. Mas, apesar de ser o quadro brasileiro mais famoso do mundo, ele não está no país. Hoje, o Abaporu pertence ao acervo do Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires (Malba), na Argentina, e essa história toda começou há quase um século.
O Abaporu e suas andanças
Tudo começou como um presente. Tarsila pintou o Abaporu para dar de aniversário ao então marido, o escritor Oswald de Andrade. A obra, que representa um homem de pés e mãos gigantes e cabeça pequena sob um sol intenso, inspirou o manifesto antropofágico, um dos marcos do modernismo brasileiro.
Mas o casamento dos dois terminou em 1929, e, na separação, o quadro ficou com Tarsila. Anos depois, em 1969, a artista vendeu a obra para Pietro Maria Bardi, fundador do Museu de Arte de São Paulo (Masp). A pintora esperava que o trabalho ficasse definitivamente em um museu brasileiro, mas Bardi decidiu revendê-lo pouco tempo depois.
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Em 1984, o quadro foi comprado pelo empresário Raul Forbes por 250 mil dólares, o valor mais alto já pago por uma pintura brasileira até então. Em 1995, Forbes o levou a leilão na Christie’s, em Nova York, onde foi arrematado pelo empresário argentino Eduardo Costantini por 1,35 milhão de dólares.
Poucos anos depois, Costantini fundou o Malba e doou o quadro à instituição. Desde então, a tela se tornou uma das peças mais valiosas e visitadas do museu.
O Abaporu é mídia
Recentemente, o Abaporu voltou a ganhar destaque nas redes sociais após a cantora britânica Dua Lipa visitar o Malba durante uma passagem pela Argentina. A artista publicou uma foto da pintura, reacendendo o debate entre os brasileiros sobre por que uma das obras mais importantes do país está fora do Brasil.
O Abaporu já foi exibido em exposições temporárias em São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro, e chegou a ser segurado por 45 milhões de dólares quando esteve no MoMA, em Nova York. Costantini afirmou que o valor atual é “impossível de definir”, mas muito superior a isso. Em 2011, chegou-se a discutir uma possível recompra pelo governo brasileiro, mas o colecionador teria pedido 200 milhões de dólares, segundo Tarsilinha, sobrinha-neta e gestora do legado da artista, conforme publicado pela BBC News em 2019.
Hoje, o Abaporu segue em Buenos Aires, no museu criado por seu dono. Paradoxalmente, o quadro que simboliza o Brasil moderno pertence a um acervo de outro país. Ainda assim, cada vez que retorna ao território brasileiro, é recebido como uma parte essencial da nossa identidade artística moderna, além de atrair milhares de brasileiros para o museu argentino todos os anos.
Fonte: BBC News